rui tavares, eleito pelo be, mas, no essencial (e ainda bem) hoje no público próximo do ps:
Adiferença entre um debate e o governo é que no debate é preciso ganhar às expectativas.
No governo é preciso ganhar à realidade. A diferença entre uma coisa e outra é que, no primeiro
caso, basta ser menos mau do que esperavam de nós. No segundo caso, é preciso ser o melhor possível. (Na verdade, ninguém ganha
à realidade. Mas é preciso tentar
sempre.)
A realidade, para Portugal, não é favorável. Um país pequeno e periférico ou quase, com mais
tempo de autoritarismo do que de liberdade, mais tempo de ignorância
do que de conhecimento. Ganhar à realidade, no nosso caso, significa fazer das fraquezas forças; onde há pequenez criar cosmopolitismo, onde há prepotência exigir democracia, onde há desvantagens naturais inventar possibilidades alternativas. Ganhar à realidade significa, pelo menos, fazer por isso.
O problema do comentário político, tal como ele é feito em Portugal e noutros lados, é contribuir para esbater esta diferença. O comentário político trivial sobrevive à conta da
amálgama e no seu mundo só existe gestão de expectativas.
É neste mundo, por exemplo, que basta Manuela Ferreira Leite aparecer em estúdio para nunca
perder um debate. Manuela Ferreira Leite joga apenas contra si própria. Uma vez que Manuela Ferreira Leite é inábil com as palavras, justificam os comentadores, ela na verdade não perdeu nenhum debate. Até ganhou — em relaçãoàs expectativas. O que quer dizer que se calhar empatou. E, no caso dela, empatar já é ganhar! Mesmo perder por poucos já seria ganhar
por muitos. Eu vi dois debates de Ferreira Leite (com Louçã e com
Sócrates) e em nenhum dois ela se limitou a perder por poucos. Mas chegou ao fim; não saiu do estúdio a meio. Às vezes levou as frases até ao fim. Parabéns!
Mas a realidade não quer saber das expectativas. E ser inábil com as palavras, convenhamos, é um pouco mais do que um pormenor. Vejamo-lo com um caso prático do debate de ontem.
Ao ouvir Manuela Ferreira Leite repetir, por uma e outra vez, e sempre com irritação, que
“Portugal não é uma província de Espanha”, lembrei-me de algo que escreveu António José Saraiva — que provinciano não é aquele que habita na província, mas quem nutre um
complexo de inferioridade em relação às outras partes do mundo.
Manuela Ferreira Leite justificou a sua imprecação com referências ao alegado comportamento que teriam tido alguns autarcas da fronteira que a pressionavam por causa do TGV. O provincianismo de Ferreira Leite não necessita, pelo que se entende, de que Zapatero ou o rei falem contra Portugal; basta-lhe a suposta reclamação do alcaide de um daqueles lugares onde se compra caramelos.
O resultado foi, na imprensa espanhola, aparecerem títulos declarando aquilo que aos seus
leitores não passaria pela cabeça. No diário El Mundo: “Portugal no es una provincia de España — enfatizó Manuela Ferreira Leite, exaltada, en el debate.”
Sugeria eu no início que governar é tentar ganhar a uma realidade adversa. Se a nossa realidade
geográfica é o que é, semiperiférica e encostada a um vizinho cinco vezes maior, Manuela Ferreira Leite acabou de lhe dar uma ajudinha. De cada vez que ela supera as suas
expectativas, os comentadores dão-lhe palmadinhas no ombro — e as nossas possibilidades fecham-se um pouco.
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