sexta-feira, abril 29, 2005

No mesmo sentido do Nuno, o João:

O João, do Portugal dos Pequeninos/Património pega no "exemplar" acordão de um tribunal açoriano que se nega a aplicar o artigo 175º do Código Penal, em razão da sua inconstitucionalidade face ao artigo 13º da Constituição que postula o Princípio da Igualdade. Num dia em que se discute Justiça no Parlamento e em que, tudo indica, PS e PSD preparam um pacto de regime sobre o assunto, termo que me assusta, seria importante apontar este caso como tão importante, como a medida que prevê a redução das férias judiciais, ou a necessidade de chamar à liça o Ministério Público pela lentidão com que se move.

Portugal não é, nem será um Estado de Direito enquanto textos como o que segue abaixo, ou como o que aqui reproduzi ontem, continuarem actuais e enquanto os senhores e senhoras que se "ocupam" da Justiça não reflectirem mais que a mediocridade nacional com todos os preconceitos e mesquinhezes que nos são endémicas.

No meio do Atlântico, nos Açores, há um magistrado que deve ter lido Suetónio e o prefácio de Gore Vidal à célebre versão da "Vida dos Doze Césares" do primeiro, de Robert Graves. Vem isto a propósito da decisão do "tribunal de júri" de Ponta Delgada que se recusou a aplicar um artigo do Código Penal aos condenados no processo de pedofilia de Lagoa. De acordo com aquele tribunal, na pessoa do juiz de direito Araújo de Barros, a Constituição, revista em 2004, no seu artigo 13 º proíbe a discriminação em função da orientação sexual. Logo - entende este magistrado - constitui uma "ofensa ao princípio da igualdade" a citada norma do Código Penal que pune "quem, sendo maior, praticar actos homossexuais de relevo [onde diabo estará o "relevo" de um "acto homossexual" ? e existirão "actos homossexuais sem "relevo"?] com menor entre 14 e 16 anos". Porém, este juiz vai mais longe. No acordão lido nos Açores, Araújo de Barros critica um outro acordão, este do venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 2003, onde se defende a conformidade desta norma com a Constituição. Que diz então este acordão da instância suprema do poder judicial e órgão de soberania do Estado português? Diz esta coisa extraordinária: que se devem considerar os crimes que se traduzem em actos heterossexuais com adolescentes "mais normais" (sic) do que os resultantes de actos homossexuais com adolescentes. Na sua análise desta pequena pérola jurídica, Araújo de Barros refere que a tal norma penal representa "uma operação de cosmética" do legislador destinada a impedir que se compare "em geral as duas formas de sexualidade [a homo e a hetero]", reduzindo manhosamente a homossexualidade "para a área da anormalidade". E explica porquê. "Se já é pouco normal ter relações heterossexuais com um adolescente, muito menos o será ter com ele relações homossexuais", uma tese que, no seu entender, equivale aos "argumentos falaciosos que historicamente se esgrimiram para legitimar a xenofobia, o racismo ou a discriminação das mulheres". Como a tal norma do Código Penal prevê a condenação por actos homossexuais, independentemente de haver ou não lugar ao abuso da inexperiência dos adolescentes, Araújo de Barros, no acordão dos Açores, escreve que se está a "consagrar um regime que discrimina, aqui notoriamente sem qualquer fundamento, o acto homossexual em relação ao acto heterossexual". Como a história abundantemente mostra, não há na sexualidade propriamente uma norma, um dever-ser e, nesse sentido, não há nenhuma sexualidade "natural". O que existem são pessoas que possuem uma sexualidade que se manifesta, ora consigo mesmo, ora com mulheres, ora com homens, ora com ambos, ou, como na antiguidade pagã, com os "rapazes". Gore Vidal vai até mais longe e explica que não há homo ou heterossexuais, mas antes actos homossexuais ou actos heterossexuais. Nem Suetónio, primeiro, nem Gore Vidal ou Mary Renault séculos depois, diriam melhor que este acordão de Ponta Delgada.


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