O Expresso, ou o "Fiel Retrato do País"
Nestes dias compro o Expresso como se fosse à Missa (à qual também não vou), com o espírito de quem cumpre uma obrigação, com o receio de que caso não o compre não perceberei o país ao longo da próxima semana, mas, ao mesmo tempo, contrariado por depositar aqueles 4 Euros nas mãos do Espada, Saraiva & Cia.
Este sentido da inevitabilidade da leitura do Expresso tenho-o porque sei, todos sabemos, o quão bem o Expresso reflecte o pior da sofisticação nacional. Um jornal cujo Director, simultaneamente romancista (com publicidade gratuita em todos os meios do grupo de cada vez que sai uma nova obra prima sua), cujas ideias fortes vão desde defender a mudança da capital para o Distrito de Castelo Branco, à convicção, dir-se-ia profunda, de que irá ganhar um Nobel de Literatura e que se vê a si próprio como o arauto da “decência” em Portugal, defensor dos valores tradicionais da sociedade portuguesa e do mesmo tipo de modernismo e mudança por que ansiava na altura da sua fundação, no tempo de Caetano não pode senão ser o retrato fiel do melhor do que há de “sofisticado” no português.
Ler o Expresso, nos tempos que correm, é uma obrigação que só se “meio cumpre”. Ou seja, lê-se o Expresso como se liam as sebentas de História do Direito do Professor Martim de Albuquerque, saltando parágrafos à procura das conclusões, num misto constante de desapontamento, frustração e pressa. É nesse espírito que passo a correr o Espada, o Pereira Coutinho (seu clone no resultado, só não no percurso), o Madrinha, o Monteiro e, especialmente, aqueles que escrevem aqueles artigos de página inteira, com continuações, sobre o estado de alguma coisa em Portugal, que eu aposto só são lidos pelos próprios (na altura da revisão do texto) e pelos seus herdeiros legitimários.
Como o melhor hipócrita nacional, dotado dos melhores hábitos moralistas cá do lindo rectângulo, o Expresso acha que pode, na mesma página (por acaso, por vezes, a primeira) passar a imagem de que se atira esfomeado aos poderes de alguns poderosos e, depois, publicar pérolas como a que temperatura é que uma cerveja nacional irá passar a ser servida, as quais não são mais do que o velho e bem enraizado hábito entre nós do fazer o jeitinho ao amigo em apuros.
Mas o Expresso é assim oscilante, complexo e contraditório, uma verdadeira manta de remendos que nós, ou muitos de nós, nos orgulhamos em alarvemente consumir.
2 Comments:
recuso-me a comprar tal semanário há muito tempo.
...a mudança da capital para o Distrito de Castelo Branco???????
AM
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