Luís tira o macaco do nariz?
O texto que se segue (visto no Jumento-link ao lado) será um trabalho de ficção, que de tão bem engendrado, facilmente se confundirá com a realidade
A minha triste confissão
Luís Delgado
Como é que um ser humano se transforma num fantoche? A pergunta parece oriunda de uma personagem dos Marretas; mas asseguro-vos, leitores, que encerra o drama central da minha vida jornalística.
No meu caso, tudo começou ainda no liceu, quando, já precoce proto-jornalista, dirigia o periódico da minha turma. Pouco a pouco, fui reparando na força da tentação: custava tão pouco parir um editorial a elogiar a Professora Guilhermina, aquela semi-analfabeta obtusa, e receber em troca uma bela nota a Geografia... era caminho muito mais fácil de trilhar do que decorar os nomes de todos os afluentes do Tejo. E assim começou a queda de um pequeno e dotado anjo.
Na faculdade, tratei logo de ocupar um posto decisivo no boletim da Associação de Estudantes. E só tinha de engraxar um pouco as excelentes polainas do magnífico reitor para ver a minha média descolar. Quando por lá surgiu um leve vestígio de contestação estudantil, depressa coloquei as meninges a trabalhar: atacando o reviralho e proclamando, preto no branco, os nomes dos cabecilhas da sedição. Mas digam-me se não vos parece forma agradável de adquirir o canudo? Sem perder noites, sem queimar pestanas... Acabara de vender a alma ao Demo, mesmo que só me apercebesse disso bem depois.
Acreditem-me quando vos juro que tentei, por suados anos a fio, emendar-me. Ganhar o meu pão de forma honesta e digna. Não envergonhar o bom nome da minha profissão. Mas eram esforços destinados ao ignominioso fracasso. A demoníaca tentação não me largava.
Tudo recomeçou com o Guterres. Era negócio garantido e sem riscos, diziam... que me davam umas colunas, um espaço de influência, um futuro glorioso nos media. Em troca, só tinha de cantar as glórias do governo do engenheiro. Não me apraz a confissão, mas prestei-me a este comércio ignóbil.
Depois, vieram os dias de Durão Barroso. Reparem: eu nem gostava do tipo, que me parecia um medíocre sem esperança. Mas como resistir, quando me acenavam com apetitosos lugares em Conselhos de Administração? E assim deitei fora os derradeiros resquícios de coluna vertebral e integridade: passando dois anos a anunciar a todos a chegada de uma retoma que só eu é que via, ali mesmo, ao virar da esquina. A retoma não chegou; mas o Volvo com motorista já cá canta.
Eu, pobre Fausto sujeito a forças que não conseguia controlar, abandonei qualquer veleidade de manter livre arbítrio ou uma voz que fosse mesmo minha. E a personagem de Goethe até teve sorte, pois nunca lhe calhou na rifa um Mefistófeles tão deplorável e peçonhento quanto o Santana Lopes!
Com este arremedo de primeiro-ministro, ainda consegui manter o meu papel por escassos meses. Que sim, que ele era um grande estadista, que os ministros eram todos uns génios, que até o Gomes da Silva era indivíduo inteligente e ponderado. Mas, para a minha alma torturada, isto já é de mais; o fantoche exige ao bonecreiro que lhe retire a mão de dentro e pede, enquanto ainda é tempo, que lhe devolvam um pouco de dignidade!
Basta. A partir de agora, mesmo que isso implique aceitar apenas empregos à altura das minhas capacidades, como guarda-livros ou pescador de abróteas, vou ser honesto e credível. Vou proclamar aos quatro ventos que o Santana é oligofrénico, que o Bush é um demente homicida, que não vejo retoma alguma nem de binóculos, que o Barroso é uma nódoa, que a GNR faz tanta falta no Iraque como um rancho de pauliteiros num funeral. E, sobretudo, que o Luís Delgado que conheciam era uma anedota. Mas agora já não há fantoches para ninguém. Por muito que paguem.
21-10-2004 15:07:27
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