Não gostei da decisão de Jorge Sampaio em Julho, assim como não gosto da sua decisão de agora. Não gostei do resultado da sua decisão na altura, estou, contudo satisfeito com o resultado da sua decisão agora.
Passo a explicar. Na altura Sampaio devia ter dissolvido a Assembleia e convocado eleições. Não o ter feito na altura foi ter legitimado a prática futura de todo o tipo de golpes intra partidários, desde que não ficasse posta em causa a solidez da maioria parlamentar que apoiava o governo em causa. Os Presidentes passariam assim a estar sujeitos a qualquer “gato-sapato” que fosse designado pelo partido no poder, quer tivesse sido eleito, ou não pelo próprio partido, quer tivesse sido eleito, ou não pelos cidadãos. A decisão de Sampaio foi má, ainda, porque significou uma espécie de “rapto” do poder de legitimação dos governos do eleitorado para o ocupante de Belém, isto na sequência de uma série de desaires eleitorais e outros do governo, ainda liderado por Barroso.
Mais, seguindo a sistemática do pensamento e da prática presidencial de Sampaio, se ele na altura considerou que não devia dissolver o parlamento, face àquela situação em concreto, dificilmente o poderia vir a fazer, salvo um erro grave deste Governo. Isto se formos rigorosos claro está.
Nada do que se passou entretanto justifica, quanto a mim, face à interpretação que Sampaio sempre fez dos seus poderes, aquilo que o Presidente acabou por decidir: a dissolução.
Senão vejamos, houve contradições entre ministros? Houve remodelações sucessivas? Seguidas de mais remodelações? Houve mau gosto e falta de sentido de estado por parte do primeiro ministro, entre outros? Sim a todas estas perguntas. Mas será que estas situações todas não se verificaram já noutros tempos? O tabu de Cavaco, ou o pântano de Guterres. A tanga de Barroso, ou as zangas de ministros de Soares. Sem que nenhum destes governos fosse demitido por isso (excepção feita talvez em parte a Guterres que se retirou). Houve já, pois, uma série de situações ao longo destes últimos 30 anos pelo menos parecidas com a actual.
Há, contudo, uma grande diferença: a qualidade dos protagonistas. E penso que foi essa a diferença que ditou esta incoerente actuação presidencial. Ou seja, nem Portas nem Lopes são tão maus como o pior do Guterres. Algo que já toda a gente sabia em Julho e que pode confirmar ao longo deste quatro meses.
Mas afinal ficamos sem perceber a forma como Sampaio encara a sua função, ficamos sem perceber se o próprio saberá sempre o que faz e, mais importante, se o faz com convicção. Daí estas duas decisões serem, por razões diferentes, más. Uma provocou perda de tempo, de dinheiro, estagnação e desprestigio para o Governo. Outra porque, embora surja com bons propósitos, não é tomada da melhor forma e desprestigia ela também o próprio Presidente.